Diante da inércia do Governo local à época em reconhecer a emancipação da nação, grupos cearenses se mobilizaram para garantir a independência.

Há 200 anos, nas margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, o príncipe regente Dom Pedro I proclamava a independência do Brasil de Portugal. No Ceará, o reconhecimento só chegaria mais tarde, em novembro, e sem muitos efeitos práticos no cotidiano da província inicialmente. Apesar disso, engana-se quem pensa que o Ceará estava alheio ao processo emancipação.

Pelo contrário, enquanto no Brasil o caminho para a independência iniciou com a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro, em 1808, no Nordeste e, especificamente no Ceará, esse processo começa com a reivindicação de direitos de uma elite comerciária que queria menores taxações entre 1799 e 1800 - ao conseguir a emancipação da Capitania do Ceará de Pernambuco para se torna autônoma.

Todavia, a elite não foi a única presente nesse processo, que também contou com o engajamento de indígenas, negros, mulheres, artesãos, lavradores, comerciantes e militares. Havia, também, grupos contrários à emancipação política-administrativa - o que motivou diferentes conflitos.

Para contar os impactos da independência do Brasil no Ceará, o Diário do Nordeste ouviu os historiadores Isabel Lustosa, Reginaldo Araújo e Francisco José Pinheiro, o Professor Pinheiro.

Isabel Lustosa é também cientista política e pesquisadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Reginal Araújo e Professor Pinheiro são doutores em História Social e estudam o Brasil Império, com ênfase no Ceará. É sob a ótica deles que narramos a libertação política-administrativa de nosso País, do ponto de vista cearense.

EMANCIPAÇÃO DE PERNAMBUCO

Com a emancipação da Capitania do Ceará de Pernambuco, em 1799, o Ceará estabeleceu uma rota de comércio portuário direta com a Europa, com o mercado português. A partir daí, essa elite portuária ganha importância e começa a reivindicar espaço político e cargos administrativos. Tudo isso vai acontecendo aos poucos. A fase próspera vem junto com a fase do Algodão, que ganha alta nas exportações

No fim do século XVIII, o plantio de Algodão surge como alternativa econômica diante da baixa na pecuária, que limitavam exportações de charque e couro.

LITORAL X SERTÃO

No Ceará do fim do século XVIII, a divisão administrativa se dava por meio de vilas (municípios), cuja sede era demarcada pela instalação de uma igreja matriz - muitos presentes até hoje no interior. Nessas vilas, quem governavam eram os proprietários de terras ou capitães-mores, por exemplo, que eram designados como "homens de bens" para comandar a região, como explica o historiador Reginaldo Araújo.

Naquela época, além das vilas portuárias de Fortaleza, Aracati, Aquiraz e Camocim, destacavam-se também vilas dos sertões como Crato, Icó, Sobral, Acaraú, entre outras.

DISPUTA NARRATIVA

Isabel Lustosa, historiadora, cientista política e pesquisadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa (UNL), considera que é preciso separar dois debates: os fatos ocorridos entre 1820 e 1823, que levaram à Independência e a seus efeitos; e a construção simbólica do 7 de Setembro nos últimos dois séculos.

Já no começo do Primeiro Reinado, a data foi valorizada como forma de “dar centralidade” a Dom Pedro I, “como se ele tivesse sido a única pessoa que fez a Independência”. Essa construção continuou no governo de Pedro II, com a instalação de um monumento alusivo ao Grito do Ipiranga na praça Tiradentes, no Rio de Janeiro.

O exemplo mais representativo é o quadro do pintor Pedro Américo, bastante reproduzido em livros didáticos, mas que foi “completamente construído para a edificação do mito do herói e do acontecimento em que ele tem centralidade”.

Além disso, ela avalia que a recepção do fato foi diferente geograficamente. Se a população carioca podia vivenciar de forma próxima os discursos e atitudes de Dom Pedro I, habitantes do Norte e do Nordeste ficavam alheios.

Para Isabel, a data continua sendo discutida porque está em constante revisão, atualmente também por movimentos identitários negros, indígenas e de mulheres, “no sentido de valorizar o papel dessas identidades no contexto da Independência”. “Mas é preciso aprofundar as motivações desses grupos e pensar se realmente a Independência traria benefícios para aquela comunidade”, sugere.


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Por Alessandra Castro

Fonte: Portal | Diário do Nordeste

Foto: Reprodução