“A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. A frase escrita por Carolina Maria de Jesus, no livro ‘Quarto de Despejo’ (1960), retratava a realidade de um país que ainda não via a pobreza e a fome como problemas que merecessem atenção.

Desde então, houve muitos avanços. Programas de combate à fome e políticas públicas de acesso à renda conseguiram tirar, em 2014, o Brasil do Mapa da Fome, instrumento de medida desenvolvido pela Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) da ONU.

O Mapa se debruça sobre países em que mais de 5% da população vive em estado de desnutrição. No último relatório, divulgado neste ano, o Brasil registrava uma taxa de 2,5%, uma vez que só é medido o que é classificado no país como insegurança alimentar grave.

Contudo, o desmonte de políticas públicas a partir da PEC do teto de gastos, agravado pela pandemia causada pelo novo coronavírus, traz de volta a realidade vivida por Carolina Maria de Jesus.

Uma geladeira vazia

Para Lis Furlani Blanco, doutoranda na Unicamp e pesquisadora da área de Antropologia das Políticas Públicas e Alimentação, a Pesquisa de Orçamento Familiar no Brasil (POF) de 2017-2018, que aplicou a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), constrói um panorama mais amplo da fome no país.

O estudo revelou que 37% dos domicílios no Brasil estavam com algum grau de insegurança alimentar e que a insegurança alimentar grave era a realidade de 5% dos lares do país.

O impacto da pandemia

Com a transferência das aulas para o espaço virtual, muitos estudantes perderam o único local em que podiam realizar refeições mais nutritivas ou a única do dia.

Algumas secretarias estaduais e municipais promoveram entrega de um cartão-alimentação, com um valor equivalente à merenda escolar para as famílias vulneráveis. Mas diversos problemas de acesso mantiveram os alunos longe do benefício.

Entre as falhas, surgem soluções

Iniciado em 1994, o Mesa Brasil Sesc, rede nacional de bancos de alimentos, atua no combate ao desperdício e à fome, tendo escala nacional desde 2003.

“Nosso país é um grande produtor de alimentos, mas tem um alto índice de desperdício aliado à questão da fome. Atuamos para minimizar os dois problemas, alcançando as populações vulneráveis e organizações de base”, conta Ana Cristina Barros, gerente de Assistência do Departamento Nacional do Sesc.


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Por Mariana Lima

Fonte: Observatório 3º Setor

Foto: Arquivo/Agência Brasil