Em 1980, Raul Seixas já era um nome consolidado no cenário musical brasileiro, com uma carreira de mais de uma década. Nesse ano, ele lançou o álbum "Abre-te Sésamo", que contou com sucessos como "Aluga-se" e "Rock das Aranha". "O disco vende razoavelmente, mas bem menos do que merecia. 

Raul começa a sentir as dificuldades em manter um trabalho mais denso em meio à alienação dominante entre a juventude", descreve Sylvio Passos no livro "Raul Seixas por ele mesmo". "Suas declarações se tornam mal-humoradas - 'Mudei-me para São Paulo porque no Rio não dava mais. 

Lá o pessoal só quer saber de patins e praia. Patins e praia não tá com nada' - e pessimistas - 'Hoje é uma época caótica, não temos nada"(...) Os anos de 1980 são isto: nada. Então, se no atacado a coisa dançou, a gente tenta salvar algo no varejo'".

Mais adiante, Sylvio diz ainda: "Em 1983, Raul está inativo e sem perspectivas, quando o rock nacional passa por um novo apogeu comercial. Deve ter sido terrível ficar à margem enquanto os medíocres faturavam, após ter se mantido fiel ao rock durante os anos difíceis, de apogeu da MPB". 

Nesta época, Raul já estava com uma terrível fama de ser "complicado" entre os executivos de gravadoras, e ao mesmo tempo seus problemas com álcool estavam ficando cada vez mais intensos, o que estava tornando as coisas muito complicadas. Até que Raul recebeu uma ligação da gravadora Eldorado, por quem ele lançaria seu próximo trabalho, sem título definido, apenas com o nome do cantor na capa.

"Enquanto mixava o disco, Raul fez um show no Palmeiras, dentro de um revival de rock, e descobriu que tinha dez mil fãs exaltados, um fã-clube organizado e ainda gostava de se apresentar ao vivo. Mas ele não se reconhece muito na nova maré de rock que assola o país, e na qual seu nome é muitas vezes invocado", relatou a jornalista Ana Maria Bahiana em matéria do jornal O Globo. 

"Acho isso tudo muito esquisito. Muito antigo, os americanos já fizeram tudo isso há muito tempo, eu mesmo já fiz isso. Não acho graça. Blitz, essas coisas, não me dizem nada. O Eduardo Dusek me chamou de 'Aracy de Almeida do rock' e eu não sabia se era elogio ou xingamento" diz Raul na matéria.

No livro "Dias de Luta", Ricardo Alexandre faz um relato de como Raul era visto naquele época: "Raul Seixas, o único que ousou cantar que não tinha 'nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira', comemorava sua década de carreira com o voo tão desestabilizado quanto o daqueles que ajudou a desestabilizar.

O Maluco Beleza abandonara o personagem metafísico e polêmico do início dos anos 1970 para assumir uma identidade mais romântica e saudosista — uma espécie de proteção contra a barafunda de drogas, adoração e experimentações que quase lhe tomara a vida antes e que cobraria seu preço depois. Em seu primeiro disco oitentista, Abre-te Sésamo, Raul já assumia que os próximos anos seriam uma 'charrete que perdeu o condutor', meio que assumindo certo tom derrotista logo nos primeiros minutos do jogo que disputava contra o 'monstro sist'".

Quando Raul Seixas alfinetou o Ultraje a Rigor, de Roger Moreira

Em agosto de 2014, quando completou 25 anos da morte de Raul, trechos em áudio de entrevista conduzida pelo jornalista André Barbosa em 1988 foram publicadas no Portal ETC. Numa dos trechos, André pergunta a Raul sobre como enxergava o rock no Brasil naquela época.

"Raul, me conta uma coisa. Você foi considerado um porta-estandarte do rock. E como é que você vê o rock no Brasil?" pergunta André, citando as raízes do rock no blues, r&b e muito mais, e comentando que nós também temos uma música popular que faz uma fusão de vários ritmos e estilos de diferentes origens. "Eu acho que hoje em dia, apesar de ser um rock mais ingênuo que estes conjuntos estão fazendo aí...", responde Raul, em seguida amplificando mais os adjetivos: "Bem mais ingênuo, bem mais inocente, inclusive pobre de harmonia, muito mais pobre que já tivemos com a música popular brasileira, com o tropicalismo e tudo, já chegamos numa fase muito mais rica, tá espelhando numa coisa mais pátria".

O roqueiro e a banda brasileira dos anos oitenta preferidos de Raul Seixas

Um dos poucos roqueiros da safra dos anos oitenta que manteve relação direta com Raul foi Marcelo Nova. "A primeira vez que vi Raul eu tinha uns 10 anos de idade. Raul tinha uns 17"(...) "Nem cheguei a conversar com ele na época, porque o Raul era seis anos mais velho que eu, e nessa fase uma diferença dessas é muito grande", conta no livro "Marcelo Nova: O Galope do Tempo" de André Barcinski. 

Então, embora conhecesse Raul desde a infância, eles só se encontraram pela primeira vez em 1984 quando Raul foi convidado para subir ao palco com a banda de Marcelo, o Camisa de Vênus, em um show no Circo Voador do Rio de Janeiro. Os dois passam a manter contato, com o Camisa gravando "Ouro de Tolo" no seu álbum de 1986, "Correndo o Risco".

Kid Vinil também foi citado de forma elogiosa por Raul em uma entrevista famosa que ele deu a Pedro Bial. E existe um pequeno trecho em áudio de uma homenagem cantada ao Kid feita pelo Raul, além de áudios de entrevistas de Raul conduzidas por Kid Vinil.

Quem sintetizou de forma clara as coisas foi o Barcinski na biografia do Marcelo Nova, ao falar sobre a parceria da dupla, e que seria o derradeiro disco de Raul, "A Panela do Diabo": "Hoje é fácil gostar de Raul Seixas. O Maluco Beleza virou uma unanimidade, um grande nome na música brasileira, amado e respeitado por todo mundo. Mas gostar de Raul em 1989 - e, pior, gravar com ele - era outro papo. 

Naquela época, Raul estava completamente por baixo. Seus discos não vendiam. Ele não fazia mais shows. Sua saúde estava debilitada. Raul era um estorvo, um 'has been', um farrapo humano vagando por aí, sendo ridicularizado por muita gente"(...) "Mais que um disco, A Panela do Diabo representou uma espécie de agradecimento dos fãs a Raul pelos bons serviços prestados. Marcelo era, antes de tudo, um fã, e soube dar a Raul a despedida que ele merecia: um disco pessoal e bem produzido, em que os dois celebravam o rock'n'roll que os uniu".


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Por Bruce William

Fonte: Portal | Revista Whiplash

Foto: Reprodução