Instruções teriam sido dadas durante treinamento e denúncia sobre o caso está em apuração no MPCE, MPT e OAB-CE
"Não contratamos petistas, comunistas ou pessoas que façam parte de religiões como candomblé”. Essa foi a orientação apresentada, em outubro de 2022, em slides, durante um treinamento, por uma liderança da Febracis, uma empresa de coaching e educação empresarial de Fortaleza, a recrutadores de novos funcionários, segundo denúncia que começou a ser apurada, em abril de 2023, pelo Ministério Público do Estado (MPCE) e pela Ordem dos Advogados do Brasil secção do Ceará (OAB Ceará), por discriminação política e religiosa.
As instruções contidas no slide foram repassadas à equipe em outubro do último ano, quando foi feito um registro da apresentação, mas o assunto se tornou uma denúncia no mês passado e, em forma de Notícia de Fato, está disponível no site do MPCE, com o número 01.2023.00011280-2, em análise na 95ª Promotoria de Justiça de Fortaleza.
Além disso, em entrevista ao Diário do Nordeste, na última sexta-feira (5), o Ministério Público do Trabalho (MPT) tomou ciência do caso e também passou a apurar a conduta da empresa. O uso de critérios discriminatórios para a seleção de empregados contraria a Constituição Federal e leis trabalhistas, como contextualiza Melícia Carvalho Mesel, coordenadora Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do MPT.
Caso a denúncia seja confirmada pelos órgãos e haja condenação, as punições podem ser a condenação da empresa com o pagamento de dano moral coletivo e a proibição de obter empréstimo em instituições financeiras oficiais, como exemplifica Melícia. As leis 9.029/1995 e 13.467/2017 são algumas das normas que deixam evidentes a ilegalidade das práticas discriminatórias.
- Lei Nº 9.029, de 13 de abril de 1995: indica no Artigo 1º que é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho.
- Lei Nº 13.467, de 2017: inclui na Consolidação das Leis do Trabalho um texto para "assegurar tratamento justo e imparcial aos empregados, impedindo qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, religião, opinião política ou atuação sindical".
A reportagem ouviu uma outra pessoa - já que o denunciante é anônimo e tem a identidade preservada pelo MPCE - que trabalha para a Febracis, e não terá a identidade divulgada. Ela chegou a receber a imagem do treinamento com os critérios para a seleção de novos funcionários. Mesmo sem estar na ocasião específica na qual foi realizado o treinamento, a fonte relata que, de forma semelhante ao que há no texto da denúncia, já presenciou diversas outras situações constrangedoras na empresa.
Os colaboradores são conduzidos para orações realizadas, praticamente, todas as manhãs. São ocasiões de desconforto pela forma como são feitas, admitiu ainda a fonte ouvida pela reportagem. “Temos que ouvir e ‘aceitar’ ou estaremos indo contra a cultura da empresa”, acrescentou.
No período eleitoral de 2022, os funcionários passaram a ouvir com mais intensidade comentários de rejeição ao Partido dos Trabalhadores (PT), conforme a mesma fonte ouvida pela reportagem. “Também já houve momentos em que falaram que quem apoiava o PT, o comunismo, era satanista, contrário a Deus, estava seguindo ao demônio”, descreve.
PROMOTORIA INVESTIGA DENÚNCIA
O Ministério Público do Estado do Ceará informou, por meio de nota, que as peças da Notícia de Fato, demanda dirigida aos órgãos de execução do MPCE, instaurada após a comunicação da ocorrência, estão em análise.
CULTURA FEBRACIS
A empresa Febracis, criada pelo coach Paulo Vieira, se descreve no site oficial como a maior instituição de educação empresarial da América Latina, e diz ter impactado mais de 70 milhões de pessoas ao longo de sua trajetória, desde 1998.
Entre os valores destacados pela empresa na descrição na página oficial estão a integridade e ética e os princípios judaico-cristãos, amor ao próximo e a si mesmo, entrega extraordinária, lucro extraordinário, entre outros.
DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
Questionada sobre a postura da empresa, conforme as denúncias, a procuradora do MPT e titular da Coordigualdade, Melícia Carvalho Mesel, declarou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que no recrutamento de funcionários as empresas podem usar apenas critérios relacionados à competência e qualificação dos candidatos a vagas de emprego.
OUTRA DENÚNCIA EM 2022
Em outubro de 2022, a consultora comercial Tainara Moura, 26 anos, que, na época, morava na cidade de Vitória, relatou nas redes sociais ter sido demitida de uma filial da empresa Febracis no Espírito Santo. As informações foram publicadas no g1.
Ela denunciou a ocorrência de assédio eleitoral, pois, segundo relatou, na campanha eleitoral, a empresa pressionou os funcionários a apoiar o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e ela não seguia essa orientação.
Na época, Tainara contou que uma diretora da Febracis enviava mensagens no Whatsapp com conteúdos políticos e religiosos favoráveis a Bolsonaro. Além disso, ela destacou que discursos no mesmo sentido eram proferidos dentro da empresa. À época, ela indicou que denunciou o caso ao MPT e registrou um Boletim de Ocorrência.
A assessoria jurídica da Febracis no Ceará, na época, informou que desconhecia o fato, pois a empresa onde teria ocorrido o caso é uma franquia independente, com administração própria. Disse ainda que preza "pela liberdade de orientação política e demais formas de expressão".
Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins
Por Lucas Falconery
Fonte: Portal | Diário do Nordeste
Foto: Reprodução